Raffaello Sanzio e a Ressureição de Cristo, MASP

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RAFFAELLO SANZIO (Urbino, 1483 - Roma, 1520)

RESSURREIÇÃO DE CRISTO
tÓleo sobre madeira, 52 X 44 cm, 1499 - 1502. Acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand MASP.


1 DESCRIÇÃO DA OBRA

O equilíbrio da obra é obtido através da geometrização ideal da composição: o retângulo central da tumba expande-se em um outro, que circunscreve os quatro guardiões. Equilíbrio e animação rítmica manifestam-se concomitantemente, a partir do gesto de alçar o braço (desencadeado no guardião sentado, à esquerda, até a figura do Cristo), como se a orquestração compositiva correspondesse a um único movimento.
O acorde interno entre as personagens, não obstante a pequena escala dos mesmos, dilata a composição que, somada à graça no desenho, traduz uma original modulação rítmica e um novo sentido espacial. Esta singular capacidade de orquestração espacial é também evidenciada individualmente nas figuras. O guardião da direita, em pé, retomado de um desenho preparatório conservado no Ashmolean Museum, de Oxford, descreve um gracioso rodopio ascendente[1]. Essa definição espacial é alcançada com o deslocamento da perna do personagem para trás, movimento que encontra ressonância no alçar do braço oposto e na rotação da cabeça.
Trata-se de uma qualidade essencialmente coreográfica, já evidente no “assassino” da predella Raleigh (O milagre de São Jerônimo que salva Silvano e pune Sabiniano, North Carolina Museum of Art), posteriormente desenvolvida no São Miguel Arcanjo (Louvre, Paris) e maximizada na figura de “Heliodoro” (Expulsão de Heliodoro do Templo, Stanza di Eliodoro, Vaticano). A preocupação com o ponto de equilíbrio figura-espaço circundante, traduzida em uma graciosa estrutura estelar, é uma qualidade tipicamente rafaelesca, alheia ao universo úmbrio, como alheia a este universo é também a pronunciada perspectiva da tumba e, enfim, a complexidade espacial da obra.
À luz dos estudos recentes, evidencia-se que a obra reflete algum conhecimento do ambiente artístico florentino, notável nas figuras dos anjos, que guardam certa semelhança com as composições de Andrea del Verrocchio e Filippino Lippi. A obra do MASP parece ser uma das primeiras nas qual esse vínculo se manifesta, estabelecendo uma nova interpretação estética, perceptível, sobretudo nas cores fortes e brilhantes, assim como na presença de ornamentos nas armaduras dos soldados, na tampa do sarcófago e na granulação luminosa das árvores.

1.1 A OBRA E O MASP
A obra foi vinculada por Roberto Longhi ao retábulo de San Nicola da Tolentino (primeira encomenda documentada de Rafael, em 1500)[2]. Foi adquirida pelo MASP em 1954, às vésperas das exposições itinerantes promovidas pelo museu na Europa e nos Estados Unidos; a obra só seria incorporada definitivamente ao acervo do museu em 1958.

Curiosodade: com base na existência de dois estudos preparatórios para o painel, atribuídos a Rafael em 1870, por Robinson, Pietro Maria Bardi assumiu a responsabilidade de incorporar a peça recém-adquirida ao corpus das obras do pintor, ocasionando intenso debate acerca de sua atribuição. Posteriormente, a atribuição a Rafael foi confirmada pela quase totalidade da crítica especializada, entre os quais Suida, Camesasca e Forlani Tempesti. Hoje em dia, parece não restar dúvidas quanto à autoria de Rafael.[3].

Referência
RESSUREIÇÃO DE CRISTO. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o_de_Cristo>. Acesso em 09 nov. 2007.


2 SOBRE O ARTISTA

Filho de Giovanni Santi (Sanzio é a sua forma latinizada), modesto pintor da corte de Urbino, é possível que sua iniciação artística tenha transcorrido sob a supervisão paterna. Contrariamente à regra, já aos 17 anos Rafael é precocemente tratado como magister (mestre) no contrato para um retábulo destinado à Citta di Castello ( S. Nicola da Tolentino, 1500 ), atualmente reduzido a quatro fragmentos. Segundo Camesasca, ele pôde neste momento já ter pintado a Ressurreição do Masp. Nesta época, Rafael encontra-se associado ao pintor Evangelista da Pian di Meleto, prática que se verifica também com Perugino (Pietro Vanucci) e Pinturicchio (Bernardino de Betto), dentre outros. Até 1504, data em que o jovem artista transfere-se para Florença (1504-1508), sua produção gravita entre Urbino, Città di Castello e Siena. Segundo Vasari:"o Papa Pio II encomendara a Pinturicchio a decoração da Biblioteca do Duomo de Siena. Amigo e conhecedor de sua excelência como desenhista, Pinturicchio levou-o a Siena, onde Rafael fez para ele desenhos e cartões para aquela obra. Verifica-se então um breve colóquio com o decorativismo pictórico de Pinturicchio, já assinalado por Roberto Longhi (1976) acerca da Ressurreição do Masp. Também Perugino seria determinante na configuração da poética juvenil de Rafael, o que não escapa a Vasari (1568), para quem a formação úmbria do pintor é assaz patente: "estudando Rafael a maneira de Perugino, imitou-a tão precisamente e em tantas coisas, que não se reconheciam seus retratos dos de seu mestre, e, com segurança, não se dicerniam suas realizações das de Perugina". Cavalcaselle (1884) observa que, no final do século, as obras de Perugino adquirem mais sentimento, candura e expressão, e seu desenho, não perdendo em força, possui mais graça. Essas qualidades marcariam o início de um processo longo e quase imperceptível, no qual se revela a presença de Rafael juvenil no ateliê de Perugino. Longhi (1976) procura discernir a participação pontual de Rafael em obras de Perugino. Constata a mão do jovem artista na Natividade da Virgem (predella de um retábulo encomendado a Perugino para a igreja de Santa Maria Nuova, Fano), uma "quase emulsão poética com o punho vacilante de Perugino". Finalmente, após uma decisiva estada em Florença, Rafael transfere-se em 1508 para a corte de Júlio II, onde é encarregado da realização de um dos dois maiores ciclos picturais de então, a decoração dos apartamentos papais no Vaticano (1508-1520), contemporânea à redecoração da Capela Sistina, confiada a Michelangelo (1508-1512). Neste momento de maturidade, consolida-se a separação de sua primeira formação úmbria, iniciada no contato com Andrea Verrocchio, Luca della Robbia, Signorelli, Filippo Lippi e Leonardo da Vinci, durante sua estada florentina e aprofundada durante sua estada romana (1508-1520) sob o impacto dos afrescos de Michelangelo.

Referência
MARQUES, Luiz (org). Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand: Arte Italiana. São Paulo: Prêmio, 1998. Disponível em:
<http://masp.uol.com.br/servicoeducativo/assessoriaaoprofessor-fev07.php> Acesso em 09 nov. 2007.


3 SOBRE O MASP

3.1 O ERRO DE CHATÔ
O Masp surgiu graças à parceria de duas figuras: Assis Chateaubriand (1892-1968), o Chatô, e Pietro Maria Bardi (1900-1999). O primeiro era empresário e dono dos Diários Associados; e o segundo, jornalista e crítico de arte na Itália. No início dos anos 1940, Chatô juntou-se a Bardi, recém-chegado ao Brasil, para realizar um sonho: reunir obras de arte e fundar um museu equivalente aos europeus. Para montar o acervo, Chatô aproveitou a baixa de preços das obras no pós-guerra, cedeu seus Portinari e conseguiu dinheiro e doações graças a sua influência junto aos anunciantes dos Diários Associados. Foi assim que, entre os anos de 1946 e 1957, a dupla reuniu as quase 8 mil obras que hoje pertencem ao acervo permanente. E, em 1947, inaugurou o Masp, instalado em quatro andares de um prédio na Avenida 7 de Abril, adaptados por Lina Bo Bardi, mulher de Pietro. Mais tarde, um terreno onde ficava o espaço Belvedere, na Paulista, foi cedido à construção de novas instalações para o museu, com a condição de que a vista para a Serra da Cantareira fosse mantida. Daí a criação do grande vão livre sob a construção, o maior da América Latina. "O famoso vão do Masp não foi excentricidade, o que em linguagem popular se poderia chamar de 'frescura arquitetônica'. É que aquele terreno, onde estava o antigo Belvedere do Trianon, foi doado por uma família de São Paulo que impôs como condição a manutenção daquela vista, que deveria ficar para sempre na história da cidade", escreveu Lina sobre seu projeto. Foi graças a essas três figuras que o Masp se tornou centro de efervescência cultural e o museu mais importante da América Latina. Além das exposições de artes plásticas, ali aconteciam desfiles de moda, festivais de cinema, cursos de música, design, história da arte, cinema, teatro e afins.
"O único erro que Chatô e Bardi cometeram foi não terem deixado recursos financeiros para o museu", diz o arquiteto Júlio Neves, atual presidente do museu. "O Masp é uma sociedade civil sem fins lucrativos, e não uma fundação, que tem fundos próprios". Figura polêmica, Neves, que também assina o projeto da Daslu, é freqüentemente alvejado pela crítica por causa da dívida de 10 milhões de reais que o museu contraiu nos últimos anos. Outro fator que contribuiu para a crise financeira foi a falta de patrocinadores desde que surgiram as leis de incentivo à cultura e que bancos e empresas privadas criaram seus próprios centros culturais. "O dinheiro foi pulverizado", diz Neves. Embora algumas instituições invistam em grandes exposições, os dirigentes do museu reclamam da falta de patrocínio para a manutenção dessa estrutura, que consome cerca de 300 000 reais a cada mês. "A manutenção do Masp não rende notícia; então, ninguém quer bancar. E o poder público raramente coloca dinheiro aqui", diz Teixeira Coelho[4].
Entre os planos de Júlio Neves para sanar a dívida estava a construção de uma torre no lugar do edifício Dumont-Adams, no número 1510 da Avenida Paulista, que seria um mirante. O projeto, no entanto, foi barrado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo (Conpresp). Agora, a idéia é construir ali uma escola de artes. Outra saída para contornar a crise seria vender alguma obra do acervo, que é tombado. "Tal medida geraria uma polêmica enorme, embora muitos museus do mundo todo façam isso com freqüência", diz Teixeira Coelho. "Mas isso não está em pauta."

3.2 A NOVA FORMA DE EXPOR O ACERVO
No mês passado, o museu completou 60 anos. O aniversário atraiu olhares e comentários, sobretudo pela inauguração da nova forma de exibir o acervo, iniciativa de Teixeira Coelho. Pela primeira vez elas ficarão expostas por temas e não mais cronologicamente, modelo clássico adotado também pelo Louvre, como estavam dispostas até agora. A primeira exposição, intitulada A Arte do Mito, está em cartaz desde 2 de outubro. Nos próximos meses, serão inauguradas também A Natureza das Coisas, Olhar e Ser Visto e A Arte Religiosa, que, aos poucos, ocuparão os outros 75% do espaço. Trata-se de um formato adotado recentemente por diversos museus e galerias do mundo, como a Tate Modern, em Londres. "A divisão cronológica é um modelo tradicional, do século 19", explica Roberto de Carvalho Magalhães, curador de A Arte do Mito. "Já a nova divisão permite novo olhar sobre as obras, à medida que dispõe, lado a lado, trabalhos com, por exemplo, 500 anos de diferença, que têm em comum não o estilo necessariamente, mas o tema. Acredito que essa seja uma maneira moderna de exibir o acervo e que ela possa atrair mais público." Nos primeiros quatro dias de exposição, A Arte do Mito recebeu 9 300 visitantes. E, mesmo antes, o número de pessoas já vinha crescendo. Nos primeiros oito meses de 2007, foi mais gente ao Masp que durante todo 2006: 473 mil, 5 mil a mais que no ano passado. Teixeira Coelho atribui esse aumento às boas exposições que ficaram em cartaz recentemente, como Goya: Séries Completas e Gravuras e Darwin: Descubra o Homem e a Teoria Revolucionária Que Mudou o Mundo.
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Referência
VIAGEM E TURISMO: revista mensal de turismo. São Paulo: Editora Abril, nº 13, pp. 211-225, nov. 2007

Notas
[1] "Estudo de Dois Soldados para a Ressurreição de Cristo". Desenho; 32 x 22 cm. Acervo do Ashmolean Museum, Oxford (Reino Unido).


"Estudos de Soldado da Ressurreição de Cristo e de um Anjo". Desenho; 32,7 x 23,6 cm. Acervo do Ashmolean Museum, Oxford (Reino Unido).



[2] MARQUES, Luiz (org). Corpus da Arte Italiana em Coleções Brasileiras. São Paulo: Berlendis e Vertecchia Editores, 1996.

[3] MARQUES, Luiz (org). Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand: Arte Italiana. São Paulo: Prêmio, 1998.

[4] Teixeira Colhe Netto é o curador do MASP há 15 anos e foi entrevistado pela revista Viagem e Turismo, edição de novembro de 2007, da qual utilizamos como referência para este trabalho.

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